“Há uma regra e há uma exceção. Cultura é regra; a arte, exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, televisão, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. Ela não é dita, é escrita; é composta; é pintada; é filmada; ou vivida, e se torna a arte de viver. A regra quer a morte da exceção. Então, a regra para a Europa cultural é a morte da arte de viver”.
Estas palavras de Godard servem de referência à relação entre o homem e as distintas possibilidades da técnica. O mais extremo artefato e artifício da regra é a guerra, mas a guerra sempre foi uma possibilidade da técnica, assim como a técnica é condição incontornável do humano. Cultura e técnica são regras, lados distintos de uma mesma moeda, pelo que, se a cultura não é arte, faz-se ainda assim igualmente artificial por meio da técnica – o “natural” artifício da norma, sempre e continuamente intrínseco ao seu emprego. A relação do homem com a natureza resulta imediatamente numa poética do artefato e na irrecusável criação do artifício, estabelecendo sempre uma determinada cultura ao mesmo tempo que instaura um determinado uso da técnica.
Os módulos 5, 6 e 7 cuidarão dessas duas regras e também daquela exceção: respectivamente, a técnica (módulo 5); a guerra (módulo 7) e a arte (módulo 6), possibilidade excepcional da regra, paradoxalmente tão inerente à norma quanto transgressora da norma. Assim, o animal que sempre trabalha (que sempre usa a técnica), encontra desde aí ou justamente aí a possibilidade específica e estrita de dois extremos: a arte, mas também a guerra.
Neste módulo consagrado à questão da técnica, analisaremos através dos filmes selecionados a relação dialética entre artifício e natureza, técnica e cultura, divisando a inelutável copertinência entre humanidade e técnica, de que resulta a própria historicidade do humano.
Os módulos 5, 6 e 7 cuidarão dessas duas regras e também daquela exceção: respectivamente, a técnica (módulo 5); a guerra (módulo 7) e a arte (módulo 6), possibilidade excepcional da regra, paradoxalmente tão inerente à norma quanto transgressora da norma. Assim, o animal que sempre trabalha (que sempre usa a técnica), encontra desde aí ou justamente aí a possibilidade específica e estrita de dois extremos: a arte, mas também a guerra.
Neste módulo consagrado à questão da técnica, analisaremos através dos filmes selecionados a relação dialética entre artifício e natureza, técnica e cultura, divisando a inelutável copertinência entre humanidade e técnica, de que resulta a própria historicidade do humano.
Aula - 17
2001, uma odisséia no espaço - Stanley Kubrick | Eua, Reino Unido, 1968.
Direção: Stanley Kubrick
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester
Ficção científica dividida em três partes, o clássico de Kubrick mostra a evolução da sociedade humana tendo a aliança entre o seu processo de civilização e o crescente incremento da tecnologia como leitmotiv: desde humanóides muito próximos aos macacos até a expedição de astronautas a Júpiter a bordo da nave Discovery, controlada pelo computador HAL-9000, quando se dá a (utópica?) inversão da relação hierárquica entre criador e criatura, assumida sob a forma da máquina que se volta contra o homem. A adaptação épica de Kubrick para o livro homônimo de Arthur C. Clarke acompanha assim a história da humanidade desde o período pré-histórico até a era espacial, sublinhando nesse seu périplo pelo tempo a inevitável relação entre o ser humano e uma condição que lhe é inescapável, o uso da técnica: é ela que ao longo dos muitos episódios dessa Odisséia se faz o motor responsável pela dinâmica que marca e distingue a experiência humana, diferenciando-a historicamente.
Direção: Stanley Kubrick
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester
Ficção científica dividida em três partes, o clássico de Kubrick mostra a evolução da sociedade humana tendo a aliança entre o seu processo de civilização e o crescente incremento da tecnologia como leitmotiv: desde humanóides muito próximos aos macacos até a expedição de astronautas a Júpiter a bordo da nave Discovery, controlada pelo computador HAL-9000, quando se dá a (utópica?) inversão da relação hierárquica entre criador e criatura, assumida sob a forma da máquina que se volta contra o homem. A adaptação épica de Kubrick para o livro homônimo de Arthur C. Clarke acompanha assim a história da humanidade desde o período pré-histórico até a era espacial, sublinhando nesse seu périplo pelo tempo a inevitável relação entre o ser humano e uma condição que lhe é inescapável, o uso da técnica: é ela que ao longo dos muitos episódios dessa Odisséia se faz o motor responsável pela dinâmica que marca e distingue a experiência humana, diferenciando-a historicamente.
Palestra:
Aula - 18
Tempos modernos - Charles Chaplin | Eua, 1936.
Direção: Charlie Chaplin
Elenco: Charlie Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Stanley Sandford
Desta vez o vagabundo Carlitos, símbolo maior da obra de Chaplin, trabalha. Operário numa fábrica, Carlitos experimenta uma condição trabalhista praticamente escrava e acaba tendo um colapso nervoso. É levado para o hospício, e ao sair de lá vê-se desempregado. Enquanto isso, uma jovem, órfã de mãe, realiza pequenos furtos para sobreviver. Do encontro dos dois abre-se uma série de peripécias repletas de ironia, tal como o “bem-estar” da prisão em contraste com a vida mortificante do trabalho industrializado. Maravilhosa sátira sobre a era da automação do trabalho, Tempos modernos apresenta uma corrosiva crítica à aliança entre a ciência, o capital e a técnica ao mostrar Carlitos vitimado por linhas de montagem e máquinas que fazem do homem mero joguete de suas próprias engrenagens. Sob o delicado humor e a irresistível graça que caracterizam a sua obra, o autor oferece-nos uma retrato ácido da vida contemporânea: urbana, moderna e industrializada, é ela o momento histórico em que o apogeu da técnica e sua aplicação ao mundo do trabalho afetam decididamente nossa existência cotidiana, tornando-a enferma e absurda ao privá-la do prazer em nome do imperativo da produção.
Direção: Charlie Chaplin
Elenco: Charlie Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Stanley Sandford
Desta vez o vagabundo Carlitos, símbolo maior da obra de Chaplin, trabalha. Operário numa fábrica, Carlitos experimenta uma condição trabalhista praticamente escrava e acaba tendo um colapso nervoso. É levado para o hospício, e ao sair de lá vê-se desempregado. Enquanto isso, uma jovem, órfã de mãe, realiza pequenos furtos para sobreviver. Do encontro dos dois abre-se uma série de peripécias repletas de ironia, tal como o “bem-estar” da prisão em contraste com a vida mortificante do trabalho industrializado. Maravilhosa sátira sobre a era da automação do trabalho, Tempos modernos apresenta uma corrosiva crítica à aliança entre a ciência, o capital e a técnica ao mostrar Carlitos vitimado por linhas de montagem e máquinas que fazem do homem mero joguete de suas próprias engrenagens. Sob o delicado humor e a irresistível graça que caracterizam a sua obra, o autor oferece-nos uma retrato ácido da vida contemporânea: urbana, moderna e industrializada, é ela o momento histórico em que o apogeu da técnica e sua aplicação ao mundo do trabalho afetam decididamente nossa existência cotidiana, tornando-a enferma e absurda ao privá-la do prazer em nome do imperativo da produção.
Palestra:
Aula - 19
Blade runner - Ridley Scott | Eua, 1982.
Direção: Ridley Scott
Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos, M. Emmet Walsh, Daryl Hannah
Los Angeles, século XXI. Deckard é um blade runner aposentado que torna à ativa com a missão de sair à caça de andróides “mais humanos do que os humanos”, os replicantes, que, após um motim, escapam da vida degradante e escravizada para a qual foram criados: a de auxiliares do homem em sua ambição de colonizar o espaço. Fabricados pela Tyrell Corporation, os modelos Nexus-6 são fisicamente idênticos aos humanos, porém têm todas as potências humanas exponencializadas, motivo pelo qual são tão temíveis que programados para viver não mais do que quatro anos. Uma vez rebelados, um grupo destes replicantes retorna à Terra à procura do seu criador com o propósito de aumentar a sua expectativa de vida e contornar sua morte iminente. Diante da impossibilidade técnica de fazê-lo, a “máquina” investe contra a inteligência que a criara artificialmente, resultando na célebre cena em que se reedita em novos parâmetros a igualmente célebre morte de Deus proposta por Nietzsche. Descrevendo um futuro decadente surgido como efeito colateral de uma confiança cega no progresso e numa não-questionada necessidade de avanço tecnológico, o filme – adaptação do romance Do androids dream of electric sheep?, de Philip K. Dick – mostra a perseguição a esses seres geneticamente alterados, ora transformados em objeto de extermínio.
Direção: Ridley Scott
Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos, M. Emmet Walsh, Daryl Hannah
Los Angeles, século XXI. Deckard é um blade runner aposentado que torna à ativa com a missão de sair à caça de andróides “mais humanos do que os humanos”, os replicantes, que, após um motim, escapam da vida degradante e escravizada para a qual foram criados: a de auxiliares do homem em sua ambição de colonizar o espaço. Fabricados pela Tyrell Corporation, os modelos Nexus-6 são fisicamente idênticos aos humanos, porém têm todas as potências humanas exponencializadas, motivo pelo qual são tão temíveis que programados para viver não mais do que quatro anos. Uma vez rebelados, um grupo destes replicantes retorna à Terra à procura do seu criador com o propósito de aumentar a sua expectativa de vida e contornar sua morte iminente. Diante da impossibilidade técnica de fazê-lo, a “máquina” investe contra a inteligência que a criara artificialmente, resultando na célebre cena em que se reedita em novos parâmetros a igualmente célebre morte de Deus proposta por Nietzsche. Descrevendo um futuro decadente surgido como efeito colateral de uma confiança cega no progresso e numa não-questionada necessidade de avanço tecnológico, o filme – adaptação do romance Do androids dream of electric sheep?, de Philip K. Dick – mostra a perseguição a esses seres geneticamente alterados, ora transformados em objeto de extermínio.
Palestra:
Aula -20
Alphaville - Jean-Luc Godard | França, Itália, 1965.
Direção: Jean-Luc Godard
Elenco: Eddie Constantine, Anna Karina, Akim Tamiroff, Laszlo Szabo, Howard Vernon
Lemmy Caution, o herói que Godard tomou de empréstimo à pulp fiction de Peter Cheyney e a uma série de filmes noir estrelados pelo mesmo Eddie Constantine, vai a Alphaville, capital de um Estado totalitário situado em um futuro distante, para destruir seu líder, um computador quase humano chamado Alpha 60. Lá, Lemmy conhece Natacha, a filha do cientista que criou o Alpha 60, e se apaixona por ela. Mas, na estranha cidade futurista, o amor, a poesia, a emoção e a liberdade de expressão haviam sido proibidos. O amor de Lemmy torna-se então um grande desafio para o controle totalitarista do supercérebro eletrônico. Reflexão godardiana sobre o amor nos tempos da técnica, Alphaville diz mais sobre o presente em que foi realizado do que sobre o futuro extra-terreno em que pretensamente se passa. Resta saber se o tempo que o filme exprime é ainda o nosso.
Direção: Jean-Luc Godard
Elenco: Eddie Constantine, Anna Karina, Akim Tamiroff, Laszlo Szabo, Howard Vernon
Lemmy Caution, o herói que Godard tomou de empréstimo à pulp fiction de Peter Cheyney e a uma série de filmes noir estrelados pelo mesmo Eddie Constantine, vai a Alphaville, capital de um Estado totalitário situado em um futuro distante, para destruir seu líder, um computador quase humano chamado Alpha 60. Lá, Lemmy conhece Natacha, a filha do cientista que criou o Alpha 60, e se apaixona por ela. Mas, na estranha cidade futurista, o amor, a poesia, a emoção e a liberdade de expressão haviam sido proibidos. O amor de Lemmy torna-se então um grande desafio para o controle totalitarista do supercérebro eletrônico. Reflexão godardiana sobre o amor nos tempos da técnica, Alphaville diz mais sobre o presente em que foi realizado do que sobre o futuro extra-terreno em que pretensamente se passa. Resta saber se o tempo que o filme exprime é ainda o nosso.